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quarta-feira, outubro 03, 2007

Crónica das Quartas (3)

Mas o que é que digo aos miúdos? Para ganharem ou que não interessam os resultados?



Quem trabalha com formação, em especial em Iniciados, certamente já se deparou com esta questão...

Todos sabemos que aquilo que os putos mais gostam de fazer é jogar com o intuito de ganharem ou até simplesmente de superarem os seus recordes, seja futebol, playstation ou basquetebol! Ignorar que são estes os desafios que lhes dão mais prazer poderá revelar-se um grave erro na gestão de uma equipa de jovens.
Adicionado a esta mentalidade temos ainda treinadores, pais e dirigentes. Não vale a pena ter ilusões, a minha experiência diz-me que 80% dos pais que acompanham os filhos importam-se, tanto ou mais que os filhos, com as suas vitórias e derrotas. Este facto aumenta a responsabilidade que o jogador naturalmente já sente. Existem ainda os directores e conheço de todos os tipos... E por último, muitas vezes, os treinadores só pensam em ganhar, ganhar e ganhar, sem olhar a meios para obterem o seu fim. Por vezes parece que o único objectivo se prende com a vitória nos jogos!

Um treinador que se preocupa com o futuro dos jogadores sabe que nem tudo o que deve ensinar, por exemplo no escalão de Iniciados, lhe dá a vitória no fim-de-semana seguinte ou no ano seguinte. Existem aspectos que devem ser trabalhados para que os jogadores obtenham bases para conquistar vitórias a longo prazo, muitas vezes sacrificando as de curto/médio prazo!

Aqui surge um dos pontos complexos da formação: como ensinar basquetebol mantendo as expectativas das pessoas que rodeiam a equipa e os próprios jogadores em alta para as vitórias sem esquecer o trabalho de retaguarda com vista ao sucesso quando forem mais velhos? Como conciliar "ganhar" com "ensinar"?
A minha opinião é muito clara: o ensino do basquetebol tem que estar à frente da possibilidade de ganhar um jogo! Custe o que custar e custe a quem custar! Quem não estiver preparado para isso tem uma solução: treinar equipas séniores... Obviamente que não se deve abandonar a possibilidade de uma boa vitória, mas o trabalho que se faz diariamente não deve ter como objectivo o jogo em causa. E acreditem que se trabalharem os "fundamentos" sem pensar em ganhar, então as vitórias passam a ser tão rotineiras "como lavar os dentes"...

Em suma, na minha opinião tentar ganhar não é pecado, mas ganhar a todo o custo, sem pensar no futuro dos atletas, não é admissível!

A forma como deve ser comunicado aos atletas os nossos objectivos é muito simples: com sinceridade. Os jogadores percebem os objectivos e conseguem, na maioria das vezes, atingir um equilibrio entre a vontade de ganhar e a consciência que há outros aspectos importantes que não passam pelo sucesso desportivo imediato!

Próxima crónica: Como é que um dirigente pode avaliar o trabalho de um treinador?

3 comentários:

Anónimo disse...

Estou de acordo, embora as minhas afirmações da semana passada não fossem neste sentido. Cabe aos treinadores fazer um trabalho correcto. É suposto que o façam. Com este trabalho devem incutir nos "miúdos" a vontade de ganhar e nunca dizer-lhes que ganhar não é importante, como sabemos que é frequente acontecer (umas vezes é uma "fuga para a frente" de quem sabe que com o trabalho que faz nunca vai ganhar nada...; outras são as pessoas que têm este discurso que fazem "trinta por uma linha" para ganhar, recorrendo frequentemente a "truques" e "rasteiras"...
Receio que haja pessoas que continuem sem perceber que ensinando "as coisas simples do basquetebol" estarão muito próximas de ganhar. Para ganhar não são necessários "truques". É preciso é que se acredite naquilo que o basquete tem de mais belo, que é o ensino dos seus fundamentos. E que se incutam nos "miúdos" os valores que frequentemente os adultos dizem que eles não têm, sem fazerem nada para que passem a ter...
Também é bom que se perceba que as derrotas são um bom caminho para se chegar às vitórias, que os erros são a única forma para se chegar à correcção. Dou um exemplo: para quê marcar jogos particulares onde se vai ganhar por 150 pontos, se podemos ter outros onde mesmo perdendo estaremos a evoluir e a aprender?
Quanto chegar a altura certa todos deveremos querer ganhar. Como bem diz o texto querem os jogadores, os treinadores (ainda que de Iniciados), os directores, os pais, etc. O que é normal. Então mas porque é que não haveriam de querer ganhar?

Ponho ponto final neste tipo de comentários.

alexandra disse...

Obrigada Tiago!


A CARTILHA DA PRÁTICA DESPORTIVA JUVENIL
(Adelino, J., Vieira, J. e Coelho, O. - Jovens no Desporto - Um Pódio para Todos, Portugal, 1999)

A prática desportiva das crianças e jovens deve:
- Contribuir para o desenvolvimento global e harmonioso dos jovens, nas facetas física, intelectual, emocional e social, assim como para a sua formação cívica;
- Garantir a saúde e a segurança nas actividades desenvolvidas;
- Propiciar oportunidades de desenvolvimento pessoal e social através da integração num grupo e do desenvolvimento da sua auto-estima;
- Constituir um complemento da sua actividade escolar e não a sua ocupação ou centro de interesse mais importante e muito menos exclusivo;
- Decorrer com uma supervisão qualificada, exigindo-se, para tal, uma adequada formação dos seus responsáveis, com especial destaque para os treinadores;
- Proporcionar a todas as crianças e jovens oportunidades de participar, de forma regular, em níveis de prática (treino e competição) compatíveis com as suas capacidades e grau de maturidade;
- Proporcionar oportunidades para que as crianças e jovens possam viver experiências agradáveis, fazer novos amigos, aprender novas habilidades, adquirir hábitos de autodisciplina e persistência e aprender a cooperar e a competir com lealdade;
- Garantir a todas as crianças e jovens a oportunidade de se aperfeiçoarem, conferindo ao mesmo tempo, àqueles que manifestem aptidões fora do comum, a possibilidade de poderem prosseguir, se o desejarem, para níveis mais elevados do rendimento desportivo;
- Distinguir-se substancialmente da prática desportiva dos adultos, adoptando modelos de preparação e competição próprios, cujos objectivos e características dominantes sejam construídos a partir dos interesses e necessidades dos praticantes, evitando o predomínio dos interesses dos adultos (treinadores ou pais) ou da modalidade;
- Evitar confrontar as crianças e jovens com uma prática muito formal, intensiva e vincadamente competitiva, visando a construção de resultados a curto prazo, o que conduz, normalmente, a perturbações do desenvolvimento, à diminuição da longevidade das carreiras desportivas e ao aumento da tendência para o abandono precoce;
- Privilegiar a criação do gosto pela prática, a aprendizagem correcta e consistente das técnicas, o enriquecimento do "vocabulário" motor e o desenvolvimento geral das capacidades motoras, por oposição à valorização excessiva da vitória e do resultado que conduzem facilmente ao treino intensivo;
- Evitar apresentar a vitória e as medalhas como as únicas referências de sucesso, devendo, pelo contrário, encorajar e elogiar o esforço efectuado e o progresso individual conseguido por cada praticante, independentemente dos resultados alcançados;
- Orientar as expectativas dos praticantes num sentido realista, obstando ao aparecimento de perspectivas exageradas para o seu desenvolvimento futuro, moderando, em particular, o aparecimento de "estrelas" prematuras
- Contrariar a tendência de pais e treinadores para se "projectarem" nos seus filhos e praticantes, fazendo da vitória uma questão de afirmação pessoal, exercendo sobre eles uma excessiva pressão, obrigando-os a lidar com exigências exageradas e muitas vezes irrealistas;
- Decorrer em ambientes adequados, que garantam o carácter agradável da prática, controlando as situações que provocam desconforto, frustração, desencorajamento e reacções de oposição provocadas por uma exigência excessiva, pela definição de objectivos irrealistas, por um relacionamento hostil, por uma intervenção parcial ou por uma distribuição desequilibrada da atenção dada aos diferentes praticantes;
- Manter a natural ansiedade da prática desportiva dentro da "zona de conforto" dos praticantes, reduzindo e relativizando as suas principais fontes, como sejam, a importância atribuída à participação na competição e o grau de incerteza do respectivo resultado;
- Desenvolver atitudes saudáveis perante a vitória e a derrota, garantindo que estas são encaradas como "faces distintas da mesma moeda", fundamentalmente através do recurso a duas mensagens: "ganhar não é tudo nem a única coisa" e "perder não constitui obrigatoriamente um fracasso";
- Estruturar o ensino, o treino e a competição com base numa prática diversificada, proporcionando uma ampla variedade de experiências motoras, psicológicas e sociais, como forma de garantir a indispensável preparação geral e multilateral;
- Atender a que experiências desportivas intensivas, quando efectuadas demasiado cedo, podem conduzir a um desenvolvimento físico desequilibrado e afectar a saúde da criança e do jovem, assim como perturbar a sua evolução desportiva,
- Ter presente que os sucessos excepcionais nestas idades não são garantia de sucesso a longo prazo, e que, portanto, essas crianças e jovens venham a ser campeões na idade adulta.

Tiago Órfão disse...

Excelente texto!